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Oh, bello! Meu, cê tá na Mooca: os italianismos na língua portuguesa

Os imigrantes italianos ajudaram em muitos feitos nas terras brasileiras, mas não parou por aí. Muito do que conhecemos hoje na língua portuguesa e no modo de falar também se deve a eles. 

FOTO: REPRODUÇÃO

Oh bello, cê já ouviu o modo arrastado e cantarolado do mooquense falar e se perguntou o porquê disso? Orra, é por causa dos ‘italiano’, meu! É bem desse jeitinho cheio de personalidade própria que a Mooca criou seu próprio dialeto, juntando o italiano e o português. 

 

Esse jeito “mooquense” de falar é antigo, e de tão característico já foi até pauta no Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo) em uma tentativa em 2009 de tombar o sotaque. Esse linguajar que escutamos hoje pelas ruas é resultado de mais de um século de imigração italiana, pois quando esses imigrantes chegaram aqui, não falavam o português, mas sim o dialeto italiano. 

 

Na Itália existem muitos dialetos - estima-se que existam mais de 11 mil. Trata-se de uma linguagem italiana mais informal, misturada com dialeto regional, o que era comum entre as camadas mais pobres da sociedade. Foi somente depois da década de 1950 que o italiano “puro” começou a se consolidar no país europeu.

 

Em casa, muito dos filhos brasileiros desses europeus aprendiam primeiro o italiano e só depois o português, como conta Carmela Romano, italiana de 89 anos: “Um dia a professora do meu filho me chamou na escola para conversar e perguntou o porquê de ele ter dificuldade em falar português, porque ele misturava muito as línguas. Era porque em casa nós falávamos tudo assim, em dialeto italiano, pois fazia só 7 anos que tínhamos vindo da Itália”. Ela confessa que até hoje não fala o português perfeitamente. 


Na casa da família Cipro também foi assim. Roberto Cipro, filho de italianos e irmão de um dos maiores professores de português do Brasil, o famoso Professor Pasquale, conta que ambos aprenderam primeiro o idioma italiano e só depois de anos que aprenderam a língua do Brasil.

 

O morador da Mooca, não só como mooquense, mas como professor de italiano, nota muito da influência italiana no modo de falar do bairro. “Eles tentam cantar um pouco e eles enfiam muito um ‘mi’: ‘não vai mi fazer isso, não vai mi dizer isso’. Se você ouvir um ‘mi’, pode ter certeza que tem um pezinho na Itália. Não é do português isso, no português não existe essa construção”.

 

Outra característica herdada da influência italiana no português da Mooca, e também de São Paulo, é a retirada do “s” no plural, como por exemplo: “me vê cinco pão”, “vou escovar o dente”, “me dá dois pastel”. Isso se dá, pois na língua italiana o “s” não é usado para marcar o plural da palavra, o que gerava uma dificuldade para os imigrantes italianos.

 

Caso você esteja na casa dos 50 anos, com certeza deve se lembrar da Tancinha (Cláudia Raia) da novela Sassaricando (1987). Ela foi uma das personagens mais marcantes da teledramaturgia brasileira da década de 80 e ajudou muito na popularização desse modo “italianado” de falar.

 

A personagem que tornou Cláudia Raia famosa herdou seu sotaque italiano da família de seu pai e popularizou frases e palavras como “me tô divididinha” e “prateleira”. Ela é uma das muitas personagens com forte sotaque “paulistano” usado para estereotipar. 

 

Porém, nem todos que vivem ou são da Mooca gostam desse jeito “mooquense” de falar, como o jornalista Adriano Coelho, 50, que cresceu no Brás e foi morar na Mooca em 1999. Segundo ele, o sotaque mooquense é “forçado’’: “eu acho que o mooquense força um pouco. O pessoal do Brás é um pouco mais sutil. As pessoas da Mooca, não que elas não tenham influência, mas quando tem uma entrevista de fora, um tipo de entrevista que nem essa, elas gostam de forçar um pouco”. 

 

O sotaque mais “italianado” do Brás pode ser melhor notado entre os ex-moradores que tiveram mais contato com a cultura italiana no passado, já que, diferentemente da Mooca, o Brás não preservou esse dialeto tão bem.

 

O típico sotaque mooquense, capiche?

 

Na Mooca, o sotaque arrastado e “italiano” é mais notável do que em qualquer outro bairro de influência italiana. “Quem vai pra Mooca começa já: ‘oh bellooo, num vai mi chegar tarde, hein?’, na hora. É automático”, conta o mooquense Cipro. Mas por que esse modo de falar não é possível de se notar em outros locais que também receberam imigrantes da Itália?

O Doutorando em Língua, Literatura e Cultura Italiana, Rafael Scabin, responde que a preservação desse modo de falar na Mooca foi possível, principalmente, pela forte presença dos italianos e seus descendentes - algo visível até hoje. Enquanto isso, o Brás, que também foi um reduto de italianos, recebeu muitos imigrantes de outros países e regiões ao longo dos anos, o que diluiu muito os possíveis traços italianos na fala.

 

Já no Bixiga, os motivos foram diferentes: “o local já contava com uma população de ex-escravizados quando os italianos chegaram. Posteriormente, por conta dos teatros, o bairro tornou-se muito movimentado, o que, por um lado, ajudou a promover a fama de suas cantinas e de sua fama como local dos italianos, mas por outro, acentuou a sua tendência à diversidade”, explica Scabin. 

 

 

 

 

 

 

 

Da culinária a dramaturgia: os italianismos brasileiros

 

O vocabulário repleto de palavras italianas ou derivadas do italiano não ficou restrito somente ao ambiente familiar, muito pelo contrário. Hoje, é possível encontrar palavras da Itália em diversos campos, desde a culinária até a dramaturgia. 

 

Muitas palavras italianas faladas no Brasil - com destaque do clássico “Ciao”, que virou nosso “tchau” - na época mais intensa da imigração italiana, não tinham uma tradução literal, como no caso dos pratos de comida e ingredientes. Com isso, elas acabaram sendo “absorvidas” pelo nosso vocabulário. Com certeza você deve conhecer alguns dos exemplos a seguir:

  • Pizza;

  • Gnocchi

  • Lasgna (que aqui virou “lasanha”);

  • Bolognese (que aqui virou “bolonhesa”);

  • Spaghetti (ou espaguete)

  • Polpettone

  • Ravioli

 

E muitas outras!

 

 

Rafael acrescenta que apesar do italiano ter marcado forte presença no linguajar gastronômico, não parou somente aí. “Há ainda muitas expressões que nos são familiares, mas que não foram propriamente incorporadas ao uso comum, continuando a identificar o imigrante ou o ítalo-paulistano, como mamma mia, maledetto, porca miseria etc.”.

 

Muitas dessas expressões italianas famosas estão no imaginário popular graças a grandes personagens ficcionais que representam o italiano em diversas obras famosas, como Adoniran Barbosa, Vitório e Marieta (personagens do rádio e do disco), Juó Bananére e pelo enorme sucesso das telenovelas que retratam a imigração italiana. “As expressões que se difundem com as telenovelas e outras produções audiovisuais também acabam tendo um alcance nacional, ainda que sirvam para identificar o paulistano”, complementa Scabin. 

 

Com tanta herança italiana presente no sudeste, seria impossível não retratar isso naquelas que são boas tentativas de representar o cotidiano brasileiro: as novelas! São inúmeras as obras que já abordaram núcleos de famílias italianas e mergulharam de cabeça nos tradicionais sotaques e expressões dos imigrantes e seus descendentes.

 

Os núcleos de famílias italianas marcaram gerações com grandes nomes da teledramaturgia brasileira. Confira se você conhece algumas das obras que ficaram famosas ao longo das últimas décadas da TV:

 

  • Passione (2010);

  • Esperança (2002);

  • Terra Nostra (1999);

  • O Rei do Gado (1996);

  • A próxima viagem (1995);

  • Vida Nova (1989)

  • Pão Pão, Beijo Beijo (1983);

  • Nino: o italianinho (1969);

 

Mamma, mia! Caspita! “Ma” você viu quanta presença italiana tem na língua portuguesa do Brasil - principalmente no sotaque paulista? Basta olhar atentamente para descobrir que a herança italiana está presente em todo brasileiro, até mesmo no mais simples gesto de dizer “tchau”. 

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Antiga Fábrica da Companhia Antarctica na Mooca. Muitos imigrantes italianos trabalharam no local, que hoje é um dos cartões-postais do bairro.

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Roberto Cipro (ao centro, de jaqueta azul) ao lado dos alunos e professores da escola Monte Bianco.

Foto: Revista Comunita Italiana

A Web reportagem "Nostra Itália" se trata de um trabalho acadêmico realizado em 2022 por estudantes de jornalismo da Universidade Paulista. O blog Nostra Itália é uma produção à parte. Contato: anostraitalia@gmail.com

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