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Como a pizza paulistana se transformou em uma das melhores do Mundo

Desde que chegou ao Brasil, há mais de 100 anos, o prato italiano se transformou, e hoje é tão nosso quanto do país europeu, encantando até mesmo personalidades internacionais. 

O que Fernando Henrique Cardoso, Luiz Gonzaga e Guns N’ Roses têm em comum? Todos eles já pisaram no Brás! Sim, aquele bairro que hoje é esquecido, guarda em uma estreita rua um estabelecimento histórico, de quase 100 anos. Com ambientação escura, mesas com toalhas quadriculadas e sem muito luxo, a Cantina e Pizzaria Castelões tem a tradição de servir massas que encantam desde os anônimos até políticos e artistas. 

 

Com a tradicional massa, a Castelões entrega produtos artesanais, feitos de forma caseira, como o manjericão e a calabresa, que pode ser vista pendurada pelos arredores da pizzaria. A pizza tem ingredientes que ostentam qualidade e exclusividade, como o molho, que tem o verdadeiro sabor do tomate, bem diferente do que muitos paulistas estão acostumados a saborear. 

 

Entre os vários sabores da pizzaria, chama atenção o que leva o mesmo nome do estabelecimento, “Castelões”, que tem mussarela especial, molho de tomate fresco e cobertura de calabresa em sua composição. 

 

Diferentemente do sabor da calabresa, que é um dos queridinhos dos brasileiros, a pizza de aliche é a mais tradicional da quase centenária cantina. Em sua composição, a redonda tem molho de tomate fresco e filés de aliche que são importados do mar da Cantábria - filés esses que são postos somente ao final do preparo da pizza, ao sair do forno, para não perder a qualidade. 

 

 

Hoje, o Brasil é rico em sabores de pizza, mas nem sempre foi assim. Com a chegada dos italianos ao longo do século XX, na bagagem, além dos itens pessoais, trouxeram inúmeras receitas, que ganharam o famoso toque brasileiro. 

 

Tudo acaba em pizza: a vinda da iguaria ao Brasil

 

Um sábado à noite em São Paulo - ou até qualquer noite da semana - pede pizza. Os sabores são capazes de reunir toda a família na mesa e conquistar em cada fatia. Entretanto, essa cena é bem diferente de antigamente, em que a redonda era um alimento barato e feito para operários. Mas afinal, como tudo isso começou e se tornou o que é hoje?

 

Por incrível que pareça, tudo tem ligação com uma traição. Quem diria que uma traição iria resultar em uma das iguarias mais consumidas pelos brasileiros: a pizza! 

O protagonista dessa história se chama Carmino Corvino, italiano que chegou em terras paulistas em 1897. Enquanto nessa época muitos europeus do país da bota vinham buscar trabalho, Corvino vinha por um motivo inusitado: escapar da fúria de um homem traído que o jurou de morte.

 

Para sobreviver em São Paulo, Corvino, conhecido também como Dom Carmenielo, decidiu assar pizzas no forno de sua casa e vendê-las em pedaços na rua, usando um tambor com carvão para mantê-las aquecidas. A prática, embora nova no Brasil, era bem comum na Itália. Vendo que seu pequeno negócio começou a dar certo, Carmino deu um passo ainda maior, e abriu a cantina Santa Genoveva, na rua Monsenhor de Andrade, no Brás, em 1910. 

 

Tendo em seu humilde cardápio apenas três sabores de pizza - aliche, mussarela e aliche com mussarela -, Dom Carmenielo deixou seu legado marcado na história dessa iguaria. Em 1940, após 30 anos em funcionamento, a pizzaria pioneira fechou as portas.

 

 

Porém, se engana quem acredita que nessa época as pizzas tenham tido sucesso a ponto de se tornarem moda como são nos dias de hoje. Antes disso, elas fizeram sucesso entre os operários. “Quando chegou no Brasil, a pizza era comida de operários, do mesmo jeito que era em Nápoles, onde ela nasceu. Comida de rua, geralmente vendida em porta de fábrica”, conta Flávia Pinho, jornalista especializada em gastronomia. 

Levaria tempo para que o alimento se tornasse algo familiar e ganhasse novos sabores. Ainda havia espaço para muitas famílias italianas deixarem seu legado e novas coberturas surgirem em terras brasileiras. 

 

Pizza: um legado de geração para geração 

 

Assim como a chegada da pizza no Brasil, a abertura da pizzaria mais antiga em funcionamento na América Latina também começou de forma inusitada. Criada pelos irmãos Vicente Donato e Carmino Eugênio Donato, o local servia de encontro para amigos de um time de futebol da região. 

 

“Meu avô e o irmão dele faziam parte desse time. E esse time, provavelmente, era de funcionários da confeitaria mais antiga que tinha no bairro do Rosário, em 1902, que chamava Castelões”, diz Fábio Donato, neto de Vicente e atual dono da Cantina e Pizzaria Castelões.

 

Essa reunião de final de jogo se tornou mais interessante que o jogo em si. Um amigo acabou trazendo o outro, até um ponto que o ambiente ficou pequeno para a quantidade de clientes que o local estava conquistando. É nesse contexto que em 1924 surge a pizzaria Castelões.

 

A clientela não parou de crescer, o que pediu mais espaço. “A partir de 1935 houve a ampliação aqui, porque antigamente era só um lado. Hoje é um restaurante que é meio museu, pouco foi alterado. Esse lado aqui (da pizzaria) desde 1935 não mudou nada, foi somente acrescentado algumas coisas”, explica o pizzaiolo mostrando orgulhoso os itens históricos do local. 

 

Ao longo das várias décadas de história, a pizzaria colecionou diversos momentos, como a presença do ex-presidente da República, Fernanda Henrique Cardoso. Fabio relata que em 1994, quando FHC teve a certeza de que tinha sido eleito a Presidente da República, ligou para a Castelões e avisou que iria juntamente com seus amigos para comemorar a vitória. 

 

 

O local sempre recebe a visita de pessoas famosas, segundo o pizzaiolo Fabio, que conta que na Castelões já vieram as mais diversas celebridades, como Luiz Gonzaga, Guns N’ Roses, Hebe Camargo, Gisele Bündchen, Chico Buarque e por aí vai. A lista é longa, assim como os anos em funcionamento da casa. 

 

Mesmo que a Castelões já tivesse seu espaço ao longo do século XX, a fama da pizza ainda estava em processo de fermentação. A partir da década de 1950, a iguaria começou a conquistar fãs dentro da capital paulista. Na mesma época, migraram muitos italianos com desejo de trabalhar, sendo um deles o pedreiro Francesco Tarallo, que tinha como objetivo trabalhar na construção da futura capital do País, Brasília.

 

 

Ao descer no porto de Santos e vir para São Paulo, o napolitano não esperava, mas estava prestes a mudar o rumo de seu futuro. Com vontade de comer pizza, como um bom napolitano, percebeu que a comida tinha muito mais potencial do que o ramo da engenharia. 

 

“Ele resolveu construir o forno dele, e ele já sabia fazer a pizza. Comprou a farinha, o tomate e fez as primeiras pizzas dele aqui. Eles (família Tarallo) começaram a fazer pizza e ofereceram para a vizinhança, que começou a gostar e perguntar o que era aquilo, ele falava que era a ‘tal’ da pizza. Ali o meu avô começou a se perguntar ‘por que eu vou para Brasília?’”, conta Francesco Tarallo, neto do napolitano e dono da Speranza.

 

Foi nesse ritmo que em 1958 Francesco e sua esposa, Speranza Tarallo, iniciaram a história bem-sucedida da Cantina e Pizzaria Speranza. O negócio foi uma peça importante para a difusão da iguaria na cidade, como relata Tarallo:

 

“Com toda modéstia, a gente tem uma importância muito grande, eu acho que até na formação da pizza paulistana, pelo simples fato de sermos uma das primeiras pizzarias da Cidade, né? Quando chegamos, nós falamos que não enchia uma mão de pizzarias. Se você fosse contar, tinham poucas”.

Aberta até hoje, a pizzaria traz no cardápio um dos sabores preferidos pelos brasileiros, a Margherita, sendo que os Tarallo foram os pioneiros da introdução desse sabor no Brasil. “Isso acaba sendo uma baita referência para outras pizzarias na Cidade. A gente usa o slogan ‘a Speranza é um patrimônio de São Paulo’, patrimônio por quê? Porque fomos os introdutores de alguns produtos a muitos anos atrás”, comenta Tarallo

 

O sabor trazido pela família deu tão certo que hoje é um dos favoritos dos brasileiros, ocupando o segundo lugar no ranking de sabores prediletos, segundo um levantamento feito pela revista Superinteressante. 

 

De acordo com a pesquisa, o sabor de pizza predileto dos brasileiros é calabresa (30%), seguida pelo segundo lugar (empatados com 21%) margherita e portuguesa e, em terceiro, frango com catupiry (16%). 

 

A Castelões, que foi uma das pioneiras em trabalhar com o sabor de calabresa, encanta seus clientes ao entregar calabresa artesanal em seu sabor principal, o “Castelões”, que é um dos mais pedidos, somando 65% das vendas.

 

Pizza italiana X brasileira 

 

Ao longo do século XX, a pizza que nós conhecemos foi se adaptando e ganhou algumas diferenças, como os novos sabores, que podem ser até polêmicos para alguns italianos, como o Alberto Del Pozzo, 60, napolitano que reside em São Paulo desde novembro de 2021.

 

“Em Nápoles inventaram a pizza, então, quando você me dá uma pizza com abacaxi, na Itália você pode ser preso, dá mínimo cinco, seis anos de cadeia. Em São Paulo tem algumas pizzas boas, mas com Nutella, por exemplo, não faz parte da cultura da Itália”, brinca o napolitano. 

 

Mesmo que para um italiano o consumo de pizza doce seja quase um “crime”, esse tipo é um dos mais amados pelos brasileiros. O Brasil produz um milhão de pizzas por dia, segundo dados da Associação de Pizzarias Unidas de São Paulo, sendo que cerca de 5% das mais pedidas são pizzas doces.

 

Além do sabor, outra diferença é no preparo do disco. Na Itália, as pizzas são montadas sem um padrão específico, já no Brasil, todas têm o formato circular, facilitando na divisão de oito pedaços. Esse repartimento não existe no país europeu, já que uma pizza só, pela sua massa fina, é capaz de sustentar uma só pessoa. 

 

"A pizza italiana tem a massa finíssima, por isso que ‘dá’ para comer tranquilamente uma pizza inteira, você não enche muito. Também reparei que na Itália a pizza tem menos queijo”, destaca a estudante Laura Zanatta, após sua viagem para a Itália em março de 2022.

 

Outra característica encontrada nas pizzas brasileiras é a borda recheada. Na Itália as bordas são fofas e ocas, traço que a pizzaria Castelões preserva até hoje. Para dar um toque brasileiro, as bordas foram recheadas com diversos tipos de queijo, como o catupiry. A borda com recheio inclusive é uma invenção brasileira criada há mais de 30 anos por Rubens Augusto, dono da Patroni Pizza.

Se no Brasil o grande momento de destaque das pizzas é durante a noite, na Itália a massa tem espaço garantido o dia todo. O fato dos brasileiros consumirem a iguaria durante a noite - e até sua venda ser na maioria das vezes só nesse momento - se dá por conta de um hábito que começou desde a chegada dos imigrantes italianos, explica Flávia Pinho:

“O hábito de ser consumida à noite é porque os primeiros imigrantes que começaram a fazer pizza em São Paulo trabalhavam durante o dia e faziam pizza à noite para reforçar o orçamento. A clientela deles também trabalhava na fábrica durante o dia, e era à noite, de um jeito meio improvisado, nos quintais ali dos cortiços onde eles moravam, que eles começavam a se reunir para beber vinho e conversar. E as pizzas começaram a ser consumidas assim”. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fast food x pizzarias tradicionais

 

Se antigamente, há 60 anos, as pizzarias poderiam ser contadas nos dedos, hoje a realidade é outra, graças a adaptação das novas tecnologias e, principalmente, a chegada do fast food, que foi fundamental para a expansão da iguaria no País.

 

Hoje em dia não é necessário ir tão longe ou até sair da sua própria casa para comer uma pizza. Com uma simples mensagem pelas redes sociais a pizza chega até você, porém, essas comodidades e tecnologias trouxeram alguns malefícios, como os ingredientes industrializados de baixo custo. 

 

“O fast food tem o lugar dele, cada um tem, e nós temos que respeitar. Mas eu não sou adepto ao fast food. Se eu fosse dar para a minha família, eu daria uma comida melhor, porque eu sei que não vai ter agrotóxico nas folhas, produtos químicos para conservar. Diferente do fast food, que tem isso. Difícil falar um fast food que faz natural, não existe, pelo volume que eles vendem”, observa Francesco Tarallo.

 

 

Outra forma de baratear o alimento é no modo de rodízio, em que o cliente paga por um determinado valor e experimenta diversos sabores. A prática é mais uma invenção brasileira, que surgiu graças ao empresário Sérgio Della Crocci, que abriu seu primeiro rodízio no Pari, em 1976. 

 

Apesar de beneficiar o fast food, as atuais tecnologias são capazes de criar novos desafios para as pizzarias menores, como as artesanais e mais tradicionais. “A gente tem hoje uma série de comodidades, mas que trouxeram muito mais problemas. Antes era muito mais simples. Não sei se valeu a pena. Se você colocar na balança eu preferia antigamente, mesmo com as dificuldades que se tinha”, desabafa Donato. 

 

Tão nossa quanto deles

 

A pizza, com destaque para a paulista, se transformou tanto que hoje, além dos sabores, existem opções das mais baratas até as mais caras, das que mais lembram a Itália até as que são quase um outro alimento. “A Itália tem mais tradição, no modo geral, os italianos ainda fazem uma pizza melhor que a gente. Mas nós estamos muito próximos dos caras, aqui é capaz de você encontrar pizzaria melhor que de lá, não tenha dúvida”, destaca Francesco.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

De geração em geração, a pizza se tornou tão nossa quanto da Itália. Suas mudanças foram tantas, que hoje é possível encontrá-la em diversos estilos, que são capazes de encantar a todos. Das maiores estrelas do rock até as maiores lendas da MPB, a pizza paulista serve sabores para todos os gostos e para celebrar todos os momentos, seja pelo resultado de um simples jogo de futebol até a vitória à Presidência da República. 

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Pizza castelões.

Foto: Estadão.

Pizzaria e Cantina Recanto Di Carmo, negócio que é administrado atualmente pelo neto e a pela bisneta de Dom Carmenielo no bairro da Pompeia.

Foto: Tripadvisor

Interior da pizzaria Speranza unidade Moema.

Pizza da Speranza no forno a lenha. De massa fina e bordas grossas, a pizza segue a tradição napoletana.

Pizza de margherita da Speranza.

Francesco Tarallo ao lado do filho, Antônio.

Foto: Acervo pessoal. 

A Web reportagem "Nostra Itália" se trata de um trabalho acadêmico realizado em 2022 por estudantes de jornalismo da Universidade Paulista. O blog Nostra Itália é uma produção à parte. Contato: anostraitalia@gmail.com

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